quinta-feira, 29 de junho de 2017

Voar

Voar é a mais sublime escola da vida
No silenciar dos cânticos, torna-se a potência da alma em vigor
Seu sabor tem a luz da manhã como o manjar de uma ceia de contos e poesias
Faz da ilusão uma leve pontada no calcanhar, que não nos machuca, mas nos consome como um olhar ao entardecer
Da janela, opõe-se às vidraças, ainda intactas e vivas em sua essência
Toca nossos lábios com gotas de mel que nos deliciam com seu aroma lúcido
Observa-nos como um pai ao ver nascer seu primeiro filho
Comove-nos até que o suspiro desencadeie todos as formas de amor que ainda iremos viver
Abstrai-nos dos sorrateiros desejos de uma vida calejada pelo sal do mar
E o vemos mesmo quando somente nos resta falar o que esquecemos em nossas promessas
E bate uma saudade incomensurável de extrapolar todos os condicionantes objetos do amor para saltar por entre os dedos de meu mais amado dono
E deixá-lo com esta saudade dentro do peito para buscar-me em histórias que não têm fim
Quero sorrir com esta liberdade que sinto quando vejo o mar ao longe e pressinto que nele estão os verdadeiros tesouros de minh'alma, solitária e incansável
Minhas asas vagueiam por entre os infinitos céus que sustentam meu olhar
Sério e contumaz; perdido e verdadeiro
E a liberdade me chama para voar
E eu sinto a mais pura saudade de uma criança que balança seus braços para a mãe a ninar
E sorrio por saber que saberei onde pisar quando minhas asas tocarem o céu
<<Sem esmorecer com códigos vazios e indescritíveis>>
Vejo-me por entre as transparentes paredes das casas abandonadas pelo servo mundano
Encadeio-me em evasivas subliminares das constantes voltas de uma roda gigante
E ouço meu amante correr dos ventos que sopram ao leste de um mirante partido
Para subir uma montanha de cálido verdejar e doce e íngreme substância gradualmente expandida pelo luar.

Ticiana Vasconcelos Silva


José Suassuna

quarta-feira, 21 de junho de 2017

Guiatura

Todos dormindo no caminho de um sonho impossível a nos conduzir pelas matas de cachoeira, borboletas e incontáveis girassóis. 
Tranquilamente conduzo meus anseios, sem ter medo do que venha acontecer.
Parece-me que é caro viver, mas paga-se barato para não morrer.
Escutei um dia alguém dizer que a vida é quase um martírio, um sacrifício a se resolver, mas os problemas da alma a gente tem que esconder para não perder a parada do trem que nos leva para o não querer. Não querer é poder, como já diria Fernando Pessoa, com suas linhas desassossegadas que contornaram a pedra no meio do caminho.
Que lindo abençoar e amar como se não houvesse amanhã, pois não há. Nunca haverá e este é o fim de um começo eterno.
Saí em busca da liberdade, mas me prenderam para que eu dormisse sem sonhar.
Então, vou encarar de frente a angústia e os medos conscientes a me fazer tremer o frio que condena o meu escuro.
Fui obrigada a declarar guerra, mas a paz ordenou que eu sumisse sem deixar vestígios, mas estou aqui. Agora. E o que eu faço? Nada, pois o vazio traz o arrepio na alma sem desalojar os segredos.
Danço, canto, pinto, bordo, cozinho, sorrio, pois a lei é a virtude dos imortais.
Morrerei com dor, mas com a consciência em cima da virtude que caiu. Mas não morri. Estou aqui para escrever. Sempre. A história sem fim.
Não me vinguei, pois vingo na mata colorida de meus pensamentos vivos, sólidos, complexos e sem destino, pois viajar é conhecer os lampejos do raio estelar de Zeus.
Adeus. Volto e não volto, como sempre fiz no caminho.
Para não ignorar a minha ignorância que dança em uma valsa de formatura. A de todos nós.
Me graduei em doenças e curas, me desamarrei de minhas armaduras para me defender. E não me contenho nesse espaço imenso que é viver. Entendi sim e vim porque mereço.


Ticiana Vasconcelos Silva

segunda-feira, 19 de junho de 2017

Caderno zen

Disque zero para o eterno
Vire o caderno do avesso
E lá estará o silêncio
O arremesso da palavra perdida
Em trilhas sem linhas
Por isso, escrevo
O que foi luz do fim ao começo

Ticiana Vasconcelos Silva


quarta-feira, 7 de junho de 2017

Eu

Eu sou assim: feita de raiz e essência que, em profunda dormência, esculpem o corpo de minha alma que vagueia nos espaços ocos de uma memória ancestral.
Sou virgem, santa, profana, sacana, ingênua. Sou aquilo que me fez sofrer o indizível e o que me fez sorrir o impossível.
Sou o cerne das incertezas que se deleitam em uma mesa cheia de sabores e aromas peculiares.
Sou a seta do invisível que se move no infinito.
Sou apenas um pássaro criado em um mundo onde asas são as marcas de um júbilo crepuscular.
Sou o pó que se cristaliza após ser sorvido pelo veneno jogado ao vento.
Sou insana frente à beleza, pois ela me comove ao ponto de não poder mais distinguir o que separa a fonte do ponto final.
Sou eu, sou leve em meu pesar e canto as noites de um coração de criança que quer brincar de ser vento, que quer se casar com o tempo e que quer apenas que cada momento seja a magia dos instantes incalculados de Deus.

Ticiana Vasconcelos Silva

Julian Cechinel Fotografia